“O modelo dos modelos”
Italo Calvino
Houve na vida do
senhor Palomar uma época em que sua regra era esta: primeiro, construir um
modelo na mente, o mais perfeito, lógico, geométrico possível; segundo,
verificar se tal modelo se adapta aos casos práticos observáveis na
experiência; terceiro, proceder às correções necessárias para que modelo e
realidade coincidam. [..] Mas se por um instante ele deixava de fixar a
harmoniosa figura geométrica desenhada no céu dos modelos ideais, saltava a
seus olhos uma paisagem humana em que a monstruosidade e os desastres não eram
de todo desaparecidos e as linhas do desenho surgiam deformadas e retorcidas.
[...] A regra do senhor Palomar foi aos poucos se modificando: agora já
desejava uma grande variedade de modelos, se possível transformáveis uns nos
outros segundo um procedimento combinatório, para encontrar aquele que se
adaptasse melhor a uma realidade que por sua vez fosse feita de tantas
realidades distintas, no tempo e no espaço. [...] Analisando assim as coisas, o
modelo dos modelos almejado por Palomar deverá servir para obter modelos
transparentes, diáfanos, sutis como teias de aranha; talvez até mesmo para
dissolver os modelos, ou até mesmo para dissolver-se a si próprio.
Neste ponto só
restava a Palomar apagar da mente os modelos e os modelos de modelos.
Completado também esse passo, eis que ele se depara face a face com a realidade
mal padronizável e não homogeneizável, formulando os seus “sins”, os seus
“nãos”, os seus “mas”. Para fazer isto, melhor é que a mente permaneça
desembaraçada, mobiliada apenas com a memória de fragmentos de experiências e
de princípios subentendidos e não demonstráveis. Não é uma linha de conduta da
qual possa extrair satisfações especiais, mas é a única que lhe parece
praticável.
Em uma sociedade que desde sempre busca evoluir
para a perfeição criando modelos e padrões para tudo: modelo de beleza, modelo
de eficiência, modelo de mulher, de homem, de criança, de filho, de aluno... ,
sem perceber, embarcamos na ditadura dos padrões, exigindo de nós e de todos
tal perfeição, numa neurose que não acaba até fazer - mos “A descoberta”.
Esta cobrança, que se transforma em auto–cobrança
se inicia muito cedo, em casa, quando comparados á um irmão mais inteligente,
mais bonito ou mais obidiente. Mais tarde, na escola, ela continua. Lá também
existe um modelo de perfeição a ser seguido, e alcançado. No mercado de
trabalho, ela se torna ainda mais intensa e, porque não dizer, opressora. O
mundo nos solicita o tempo todo “A perfeição”. Nele, o ser humano é desde cedo
enxergado como um todo, sendo que neste todo, devem se sobressair as
habilidades mais comuns e usuais.
Neste ínterim, nós professores, acostumados a
correr o tempo todo atrás do ideal para nós e para nossos alunos, quando ingressamos no trabalho do AEE, temos
a oportunidade de conhecer a imperfeição e todas as suas possibilidades.
Encontramos nos nossos alunos tudo aquilo que está fora dos padrões: de beleza,
de eficiência, de mulher, de homem, de criança, de filho, de aluno... Neste
momento, fazemos “A descoberta”. Descobrimos o Ser Humano, bem mais
interessante que aquele velho conhecido modelo fabricado e engessado. Ele
sempre esteve ali, mais não conseguíamos ou não queríamos enxergar, pois
estávamos focados apenas no modelo, buscando o modelo e, muitas vezes, não
conseguindo alcança-lo. Esta descoberta é para nós, ao mesmo tempo, libertadora
e fascinante, pois nos permite mergulhar em um mundo desconhecido, misterioso e
cheio de surpresas que é o ser humano imperfeito. É aí que chegamos à
conclusão, como o Senhor Palomar, que podemos “apagar de nossas mentes os
modelos e os modelos dos modelos”, o que não parece tão fácil para nós como foi
para ele, tomar o caminho de volta. No entanto, a prática com nossos alunos e
os muitos recomeços que vivenciamos com eles, devem nos dar sempre novas
oportunidades de nos desvencilhar – mos daquilo que se construiu ao longo de
anos. Então, diante disto, só podemos concluir que o trabalho do AEE com nossos
alunos nos oferece uma oportunidade ímpar, quando temos olhos para ver e
coração para sentir. E nos dá a oportunidade de uma auto - realização bem mais
sólida, profunda e verdadeira pautada na auto - aceitação e na aceitação do
outro como ele é.
Sandra Helena Castro Santos
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